quinta-feira, março 27, 2008

Um sonho dentro de um sonho

Tome este beijo sobre a têmpora
e, partindo de ti agora,
muito a dizer nesta franca hora -
Você não está errado, quem diria
que meus sonhos têm sido o dia;
Ainda se a esperança fosse um açoite
em um dia, ou numa noite,
numa visão, ou em ninguém
É isso então o que está aquém?
Tudo o que vejo, tudo o que suponho
É só um sonho dentro de um sonho.

As ondas quebram e fico ao meio
de uma praia atormentada
e eu seguro em minhas mãos
uns grãos de areia dourada -
Quão poucos! E como se vão
Pelos meus dedos para o nada,
enquanto eu choro, enquanto eu choro!
Ó Deus! Eu Vos imploro:
Não posso mantê-los em minha teia?
Ó Deus! Posso eu proteger
das duras ondas um grão de areia?
Será que tudo o que vejo e suponho
É só um sonho dentro de um sonho?

Tradução: Leonardo Dias

Texto original (por Edgar Allan Poe)

A Dream Within A Dream

Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow-
You are not wrong, who deem
That my days have been a dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,
In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream.

I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand-
How few! yet how they creep
Through my fingers to the deep,
While I weep- while I weep!
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?

quinta-feira, março 13, 2008

Saber ousar

Calei-me. A voz subitamente faltou e utilizá-la não faria sentido senão fosse para resolver todos os problemas. E quando acabassem os meus, resolveria os do mundo, pois que não deveria haver outra razão de viver que não a de resolver conflitos.

Posto isso, confabulei e conspirei para resolver situações que antes não tivesse resolvido. Gerei novos conflitos por querer destrinchar trincheiras de guerras imortais. Há seres dotados de amor e seres dotados de desamor, que confundem isso com desapego às pessoas -- ainda que traduzido em apego aos objetos materiais.

Os dotados de amor, ainda que desprovidos de inteligência, são bons e ingênuos. Os que possuem em si amor e inteligência são bons e dotados de imensa capacidade de mudar a si mesmo, ainda que não sejam capazes de inspirar os outros. Já os que somam essas duas virtudes à vontade, esses são imbatíveis: progridem rapidamente rumo à construção de seus destinos.

Ousei. E por ousar é que me vi indo mais longe do que podia. É necessário saber ousar antes da ousadia. No entanto a vantagem de ousar é que não tem mais volta. É o traçado com o carbono do grafite sem a borracha que o remova. São esses traços espontâneos que ficam imortalizados em meu coração e nas mentes alhures.

O que eu quero, enfim, é ser feliz. Ter a liberdade de saborear a vida com os seus diferentes aromas e texturas. Há nas coisas todas o intangível e o tangível e nós somos também feitos dessa harmonia química. Se há algo mais ousado do que a capacidade de conhecer a nós mesmos, ousemos. Essa tarefa obrigatória antes de precipitar-nos na ousadia é mais árdua do que o lapidar de diamantes: é a quebra de lascas de duras pedras que não são nada fáceis de quebrar. Como os diamantes, polidos somos capazes de ousar mais, querer mais e deixar marcas em tudo o que tocamos. Eis o caminho para pavimentar o seu destino.

segunda-feira, março 10, 2008

Dançando ao som de estrelas

O silêncio à noite é como um grande diamante
precioso, raro e ainda assim resistente
às tentativas do tempo em destruir-lhe o instante
em que nada passou, em que nada está presente.

É o som das estrelas que deve ser admirado
como uma música saborosa aos ouvidos
a fazer-nos despertos e a despertar-nos sentidos
que outrora eram como olhos bem cerrados.

Após ouvi-lo, devemos sentir o som
e apreciar-lhe bem a cor e a textura
com a mão que toca o silêncio e o segura
levando-o para o Artífice de seu dom.

Então podemos dar o passo verdadeiro
daquela dança de ternura e de alegria
sabendo que vivemos cada dia
como o último e também como o primeiro.

As luzes do universo: não podemos tê-las
mas podemos vislumbrá-las em céu aberto.
E ouvir-lhes o ritmo derradeiro e incerto
enquanto seguimos dançando ao som de estrelas.

segunda-feira, março 03, 2008

Temos poucas horas

Temos poucas horas e não vamos maldizê-las:
são finitas, feitas de desenhos magistrais
do Artífice da vida e do vibrar das estrelas
cujos traços não entendemos mais.
É com a visão certa, com o olhar apurado
após fazer dentro de si uma viagem
poderemos caminhar por qualquer lado
sem que sobre temor ou falte coragem.
Mas se houver rancor, sentimento inconteste
tragédia que traduz toda alegria em tristeza
As horas temem qual o chão do solo agreste
teme o sol que dele extrai a riqueza.
Se estamos secos, que haja sempre um rio
para fazer-nos lembrar que as suas águas
correm sempre com o tempo sendo o fio
condutor de satisfações ou de mágoas.
Somos todos imortais em essência
mas as horas, essas passam à nossa frente
quanto mais incerta e intransigente
for a nossa inconstante consciência.
Então façamos de nossas horas o que o artista
faz com as arestas dos brutos diamantes
Não há no mundo nada que resista
a um espírito moldado à beleza dos instantes.