sábado, outubro 19, 2013

Movimentos de consciência


"Que o mundo é meu mundo revela-se no fato de os limites da linguagem (da linguagem que apenas eu compreendo) significarem os limites do meu mundo."
Ludwig Wittgenstein


"A felicidade não é a recompensa da virtude, é a própria virtude. Também não sentimos prazer com a felicidade porque restringimos nossas luxúrias. Pelo contrário. Por sentirmos prazer em nossa felicidade, por isso mesmo somos capazes de restringi-los."
Baruch Spinoza

A consciência é um convite para a realidade. Permeada pelo subconsciente, dentro de um também conhecido inconsciente coletivo, cabe à consciência discernir das diversas impressões dos sentidos o que é falso e o que é ilusório.

Por mais booleana que essa lógica de verdadeiro e falso possa parecer, a realidade é mais do que zeros e uns. Mas a mente não consegue conceber mais do que dois opostos em grande maioria dos casos. A armadilha do bem e do mal, do justo e do injusto, tem provocado na consciência de alguns o preconceito, a intolerância e o erro. O caminho ideal é o caminho do meio, mas qual é o meio termo entre o bem e o mal? Existe mal que faz o bem, e existe bem que faz o mal. 

Recorro à uma parábola hebraica sobre o homem justo que havia morrido. O homem justo, sabemos, não é merecedor da morte para os seus familiares. Sempre pensam: eram tão bom! Por que morreu? Um dia, em um velório, perguntaram a um rabino se Deus era mesmo justo. Afinal porque levar tão jovem um homem bom, que fazia o bem, se havia homens injustos ainda vidos que Deus não levava à morte. Ao que o rabino, bravo, sério, respondeu: "Desconheces os planos do Senhor. Não sabes se o filho de um homem iníquo poderá vir a ser o mais justo entre os justos. Desconheces se todas as atitudes malignas de alguns homens não acabem terminando com o bem para todos. Não sabes se o homem justo que aqui deixou esta vida não terá a missão de levar à justiça como mensagem ao povo. Os planos de Deus são irreconhecíveis."

E assim, aquele rabino, tão versado na filosofia hebraica da Kabbalah, havia colocado um grande exemplo de um mal -- a morte de um justo -- que pode significa um bem, um símbolo de justiça para o futuro. E a sobrevivência de uma pessoa injusta -- um mal -- pode vir a ser um bem na geração de filhos justos. Os planos de Deus são mesmo um enigma para o ser humano, incapaz de conceber de fato espaços de tempo maiores do que uma vida humana. O tempo para nós é um enigma. Não sabemos o futuro, não mudamos o passado, mas podemos construir no presente e muita gente se esquece de que possui liberdade para decidir o que bem entender.

Movimentos de consciência requerem um choque, um trauma, um erro para o devido aprendizado. Não haveria tanto apelo para democracia se não fosse algo provado, pela própria democracia, que a tirania pressiona os povos e leva a grandes tragédias. E certamente essa dicotomia entre autoritarismo e liberdade chega a ponto de alguns absurdos que podemos retratar como manipulação da consciência.

Tomemos como exemplo países que censuram a internet. Ora, esses países não permitem que, em seus mecanismos de buscas nacionalizado, sejam feitas buscas por termos como "liberdade", "democracia" e  "sindicalismo" ou outros termos. Por quê? Porque a inexistência de conteúdo sobre esses temas leva à população à total inconsciência do que eles são. Aí concordamos com Wittgenstein, pois uma mente sabidamente livre, curiosa e disposta pode descobrir coisas fantásticas.

Na realidade, após um período de trevas de uma idade média autoritária na Europa, a democracia começa a florescer em países como Inglaterra e França diante de revoluções populares. Revoluções estas convocadas por homens livres, sabedores de que possuíam capacidade para gerir uma república. No entanto incorreram no erro de substituir uma tirania por outra. Isso ocorre porque a consciência da democracia era ilusória antes disso, pois só havíamos experimentado uma democracia interessante em Atenas, há muito tempo atrás. O que vimos muito na história foram autoritarismos contínuos, tiranias por séculos e ainda vemos. O poder ao povo é exceção, e não a regra. Mas a liberdade, para quem vive sob regime democrático, é estratégica para que a consciência seja ampliada.

Quando vemos situações como manifestações na primavera árabe, nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Mumbai e em outras partes do mundo, estamos assistindo a um movimento de consciência. Fruto de buscas pela liberdade a partir do conhecimento. Fruto da facilidade de acesso que a Internet vem possibilitando ao mundo. Os países com governos tiranos que deixaram a internet em aberto para a população estão vendo o que está acontecendo nesse momento.

Em nosso país, o Brasil, isso não é diferente. A realidade da internet sendo acessada pela população está provocando mudanças. A primeira mudança chocante é na busca por informações. A informação não é mais oligopólio da imprensa e do governo. Agora ela pode ser distribuída por todos e para todos em tempo real. Isso permite que as pessoas façam novos julgamentos sobre como agir e como pensar. Gera manifestações em tempo real, em que as pessoas são convocadas por cantos nas ruas e por mensagens em redes sociais. Ninguém se organiza mais por meio de noticiosos da imprensa, cada vez mais desprezada pela população que não concorda com as linhas editoriais deste ou daquele jornal.

Isso não é por acaso. Peguemos a palavra informação. Podemos quebrá-la pelo prefixo "in", que quer dizer "interior, interno" nesse caso e "formação", que quer dizer "dar forma a um objeto". Portanto informação quer dizer "aquilo que dá forma ao que há dentro de nós", ou seja, à nossa consciência. Daí partimos para a "trans-formação".  "Trans" tem a ver com trânsito, com movimento, com mudança de posição de um objeto.

A partir de internalização do conhecimento, do informar-se, é permitido o movimento da consciência, o transformar-se. Com mais pessoas sendo informadas sobre os mais diversos assuntos, é natural que transformações ocorram e que novas necessidades apareçam. Em termos de governos democráticos representativos, por exemplo, ao meu ver a tendência é de uma democracia mais direta e eletrônica. Já para governos tiranos, a tendência é uma transformação para democracias representativas. Com isso a sociedade tende a transferir o poder de decisão para o voto em vez de para o cabresto, ou a bala.

O medo da transformação é o que nos leva a não aceitar a informação. Pense nisso no caso da informação sobre o aquecimento global. Há quem diga que esse assunto é balela. Não obstante, o ritmo de movimentos extremos de temperatura e tragédias globais vem crescendo, e novos relatórios cada vez mais mostram que a atividade humana impulsiona o aquecimento e que há riscos para a humanidade. Portanto precisamos transformar nossos carros, fábricas e modos de vida para a utilização de energia de forma sustentável. Naturalmente isso não é simples. E quem tem medo da transformação naturalmente irá dizer que isso não é necessário. E irá negar a informação, a ponto de entidades industriais pagarem institutos de pesquisa para criar uma pesquisa que prove o contrário. Assim se evita a transformação por meio da desinformação.

Na realidade estamos todos nós em formação. O indivíduo, membro da sociedade, precisa mesmo aprimorar-se para ver a sua sociedade ao redor se aprimorar. E esse estímulo ao próximo para que ambos progridam, o que chamamos de solidariedade, é algo que vem diminuindo na medida em que o indivíduo acredita no individualismo como método de alavancagem social. O que ocorre é que essa alavancagem por recursos materiais também não é sustentável e, cada vez mais, as pessoas mais individualistas tornam-se menos solidárias, levando à destruição das comunidades.

A quem isso interessa? Aos que já estão no poder e querem perpetuar-se. Portanto cabe ao cidadão comum a decisão de engajar-se mais na política de seus países, nas informações disponíveis e no compartilhamento de ideias e recursos. Na medida em que a sociedade se organiza a partir dos indivíduos para executar um trabalho de transformação, há aí um movimento de consciência. Trinta anos atrás era impossível imaginar que as pessoas iriam invadir um centro de pesquisas para tirar animais que são utilizados para testes com cosméticos. No entanto é isso o que estamos vendo hoje. Esse movimento de consciência, de proteção ao animal que nem é da nossa espécie, é um tipo de amor que não víamos nem dez anos atrás. Mas há uma consciência sempre em movimento que leva em consideração novas informações, levando-nos a melhores decisões sobre a vida.

Pegue uma caneta e papel e escreva o seu livro. Faça isso com a sua consciência. Conheça a sua consciência como você conhece a pessoa amada, ou mais. Com isso, você terá condições de saber em que se aprimorar. Utilize os recursos disponíveis como a internet, o Google, Wikipedia e o que mais houver. Lembre-se de que nem tudo é confiável, portanto, não acredite em tudo. Ambiente-se sobre as movimentações políticas, manifestações e pense até mesmo na atuação política. Não se restrinja ao voto. Cobre o seu político durante todo o mandato e procure entender como está a situação partidária do seu político no poder. E não seja ignorante. Não desperdice o seu voto com promessas vazias. Use a sua consciência em movimento. Com isso, moveremos a consciência de toda a sociedade, levando a decisões melhores.

Em poucas palavras: movimente-se.

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