terça-feira, outubro 01, 2013

Filosofia - A escolha de Salomão

Ocupar-se é estar em estado de movimento, impossibilitado, portanto, de ponderar. Agir é mover, provocar mudança em algo, nem que seja em sua posição. Se você move, você cria. Não importa se é só os dedos e o cérebro. Ao escrever, dificilmente se aprende. O escriba que acompanhava a reunião de Platão com os filósofos gregos e escrevia tudo o que acontecia nas aulas de Sócrates dificilmente aprendia alguma coisa naquele momento. O trabalho de escrever o que acontecia era difícil, o processo era lento. Era um negócio. E desse trabalho, naturalmente, surgiram muitas questões que hoje se colocam na vida das pessoas, ainda que de forma velada ou indistinta. A filosofia, na verdade, é a arte liberal em essência. No entanto é diferente das outras artes e ciências liberais, todas associadas ao movimento. A filosofia está associada única e simplesmente à mente e às inúmeras sensações, experiências e ponderações que ela possui.

A raiz disso está na palavra "Sofia". Reconhecida como "sabedoria", Sofia era para os hebreus Chochmah, e significava algo extremamente sagrado. Chochmah era reconhecida como uma Sephirot no que os antigos estudantes da cabalá definiam como uma dimensão do universo, um fruto da chamada Árvore da Vida, ou Etz Chaim. Esta árvore teria também outros frutos como Binah, a inteligência, Netzach, a Misericórdia e D'aat, um fruto escondido, o Conhecimento. Algo de que voltaremos a falar posteriormente.

A sabedoria, assim como a inteligência, eram os únicos caminhos possíveis que poderiam levar à Kether, que seria a coroa, o topo da árvore, a inteligência suprema. Por isso que Salomão, em seus muitos sacrifícios de animais, em cerimônias de magia cerimonial, teria, um belo dia, tido contato com o Senhor e, nesse dia, o Senhor teria dito que Salomão era justo e que, por isso, poderia pedir o que quisesse. Salomão poderia pedir poder, riqueza, temor dos inimigos, o que quisesse. Mas Salomão, conhecedor dos caminhos divinos, dos ramos da Árvore da Vida, escolhe a Sabedoria. Pois, por meio dela, seria capaz de atingir o domínio da própria vida, seria verdadeiramente livre e, com isso, capaz de agir em meio à sociedade que liderava, o povo judeu. E com isso também conseguiria construir o Templo de Salomão, um lugar divino voltado ao estudo de si mesmo, ao estudo da Sabedoria, a mesma Sabedoria que Salomão pedira ao Divino em suas orações.

Esse caso mostra a importância da filosofia. Ora que philos, em grego, é uma forma de amor, também conhecida por amizade. E a amizade tem muitos nomes, como apreciação, afeto, reconhecimento e outros. Ter um amigo é ter alguém em quem confiar. E o que a filosofia ensina, portanto, é que temos que confiar na sabedoria como resposta às nossas inquisições da alma. Os gregos sabiam disso, em grande parte, por causa de sua religião. A religião grega é baseada em elementos de nossa própria psicologia. Os deuses tinham vida como a nossa, cheia de traições, paixões, medos, angústias e tragédias. Por isso os gregos vieram a desenvolver a filosofia. Já em seu tempo, a filosofia era uma resposta diferente a da religião, porque os filósofos se ocupavam em entender os processos mentais, os sentimentos, as sensações, a matéria, o tempo e o espaço. E todas essas coisas complexas para a filosofia tinham respostas simples na religião que, afinal, não satisfaziam os filósofos. Era preciso pensar em algo a mais que pudesse corresponder aos anseios da humanidade. Por isso confiar na sabedoria foi algo inteligente para a humanidade. A partir dessa disciplina várias outras foram criadas. Os grandes filósofos eram também matemáticos, psicólogos, estudantes da religião, físicos, químicos, engenheiros, arquitetos e, naturalmente, os poderosos, que sempre souberam afinal o que tinha valor nessa vida -- por isso mantiveram e mantêm o poder os que buscam por meio de sabedoria ou inteligência o seu domínio e a liberdade.

Filósofos estoicos como Sêneca e Epiceto diziam que apenas uma pessoa sábia é verdadeiramente livre. Na verdade a pessoas sábia é aquela que saboreia a vida. No português, como em outros idiomas, a palavra Sabedoria vem de sappere, do latim, saborear. No português, o verbo saber é sinônimo de saborear, assim como no espanhol. Portanto os que não provam o amargo não podem saber o que é, não têm a experiência necessária. Portanto é necessário experimentar em nossas vidas para que ela seja plena e para que saibamos o que fazer diante das dificuldades. Pois de nada adianta filosofarmos sobre tudo sem a certeza do que pode vir a acontecer.

No mundo moderno, diante de problemas como a adicção em drogas, por exemplo, a filosofia teria muito a falar. Nos grupos de apoio, uma das coisas que ocorre é o compartilhamento de histórias pessoais, que levam as pessoas a entender onde podem chegar diante dessas situações. Isso é uma troca de informações que levam à sabedoria. Ao saber onde se pode chegar por um vício, pode-se evitar trilhar uma estrada a partir da experiência alheia. Portanto devemos aprender com todos a todo momento.

Mas mais do que com todos, filosofia consiste em aprender com o passado. O passado que nos chega por meio de documentos, livros, textos, músicas e ideias pode nos levar a experimentar novas sensações e a conhecer novas histórias que complementem e ajudem a tomar decisões melhores. Se você conhece Hamlet sabe que se trata de uma tragédia em que muitos morrem. E pode pensar que agir como Hamlet é perigoso e evitará similar tragédia. Não por acaso, as manifestações da arte teatral nasceram da catarse religiosa, da necessidade de se representar antigas lendas para que as pessoas visualizassem como aquilo poderia ter acontecido. A partir desta visualizações, a aprendizagem ocorreria com maior facilidade. Haveria, portanto, um maior entendimento sobre as coisas. A arte é, portanto, uma forma de fazer ocorrer a filosofia.

Os mistérios do nosso subconsciente ainda são um enigma, mas um subconsciente fortalecido de sabedoria pode tomar decisões mais interessantes além de fortalecer a mente de influências externas diretas ao nosso subconsciente. Deveríamos ser mais capazes de perceber as intenções de manipular os nossos sentimentos em noticiários e campanhas publicitárias, evitando, assim a falta de liberdade de agir diante dos impulsos artificialmente criados no subconsciente. A filosofia é resposta e caminho para a liberdade. É uma arte ou ciência libertadora e, diante disso, ficamos estarrecidos com o que somos capazes de acreditar cegamente sem compreender os mecanismos de manipulação de nossas mentes. Portanto é fácil concordar com os estoicos: hoje, mais do que nunca, apenas os sábios podem ser livres para escolher o que é melhor para cada um. E a humanidade, cada vez mais ignorante, caminha na direção contrária da estrada da Sabedoria. Aprimora-se em inteligência em alguns lugares, mas no geral a Sabedoria que deveria governar todas as mentes é ignorada.

Um dos caminhos possíveis para se alcançar a Sabedoria é o Conhecimento. Outro ainda é a Beleza, ou seja, a contemplação da beleza de viver, estágio alcançado por meio da meditação ou da oração. Outro caminho possível é por meio da inteligência, do estudo, do trabalho ativo, da força de vontade. E existe um caminho, o caminho cristão por excelência, que é o caminho da Misericórdia, ou seja, da compaixão, do colocar-se no lugar do outro, do experimentar a tristeza e a alegria alheia e, com isso, obter a sabedoria. Todos os caminhos são viáveis, mas nem todos levam de fato à Sabedoria. Sabedoria é calar-se enquanto o mundo fala palavras desconexas e tentar tirar desse ruído algum sentido. Sabedoria é a justiça e a verdade universal. E sabedoria é também o caminho para o Conhecimento real de nós mesmos. Sobretudo diante de problemas universais.

A escolha de nossas vidas, portanto, deve ser como a escolha de Salomão: a Sabedoria. Ela é capaz de nos guiar para uma melhor viagem e, com isso, levar-nos à liberdade de agir, ou ao domínio de si mesmo. Filosofia, portanto, não é apenas o ócio do tempo de estudos, é, sobretudo, ativamente optar por caminhos mais sábios na vida do que por caminhos mais espinhosos. É uma tarefa excelente, sobremaneira, pois eleva o espírito e faz o homem livre conhecer a liberdade para exercer a sua verdadeira vontade por todo a brevitude de vida que possui.

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