Numa tarde seca, uma suave brisa no rosto pode produzir a serendipidade. A ciência possui muitos casos específicos em que um insight surge do inesperado, por vezes do irresistível aleatório. Do pouco que se espera, muito se tira.
A serendipidade é característica dos buscadores. Ela está presente nas pessoas sem ânsias, sem angústias, na busca de algo mais sincero e preciso. Pela natureza da Verdade, obscurecida pelas trevas e pela simplicidade inerente das coisas, é natural que tais momentos não ocorram em situações de esforço concentrado, e sim em momentos casuais.
Inacessível às mentes humanas, mesmo às mais sinceras, a Verdade muitas vezes aparece traduzida de meia verdade. Meias verdades são quase mentiras que confortam a mente naturalmente ansiosa e desesperada dos buscadores. Nas situações mais diversas da vida, estamos todos trabalhando em busca de grandes verdades, no entanto há aqueles no mundo, que por uma natureza mais questionadora e mais alinhada com a sinceridade a honestidade, entendem que há valor no entendimento do mundo e de si mesmo. E esse valor inestimável, incomensurável e intangível é o que leva, de fato, os buscadores, ao encontro da verdade em momentos inesperados.
No mundo moderno, as recomendações automáticas produzem serendipidade on demand. Por meio da análise de terabytes de dados é possível distinguir algumas verdades sobre as pessoas, sobre os seus comportamentos e sobre as suas conexões. E essas verdades aparecem nas páginas de sugestões de amigos, nos trending topics, nas sugestões dos buscadores quando começamos a procurar por algo. O Google transformou a humanidade em buscadora. E a serendipidade passou a ser algo mais comum, aliás mais do que comum, uma demanda dos indivíduos.
A Amazon gera 30% de sua receita por meio de recomendações de produtos. Ela sabe, como ninguém, produzir a serendipidade sob demanda num mercado de consumo. Por meio do comportamento das pessoas, é possível apreender informações antes ignoradas. Súbito, parece que as máquinas sabem sobre nós mais do que nós mesmos. Na verdade nós é que somos previsíveis, e as recomendações são apenas prova disso.
A meteorologia é uma prova disso. Ciência da observações dos céus, tem em seu nome um componente astrológico. Para Aristóteles, um dos pais da meteorologia, o clima poderia levar a chuvas d'água ou de fogo, daí o nome de meteorologia. Presumia-se que se poderia prever potenciais chuvas de meteoros. Certamente até hoje temos dificuldades em dizer se o céu pode cair sobre as nossas cabeças. No entanto hoje sabemos quanta chuva pode cair sobre nós, em que horas ela pode cair e com que intensidade. No entanto, se você está na rua, a chuva cai e você não está preparado, ela pode fazer você correr e se abrigar numa lanchonete. Nesta lanchonete você pode sentar e pedir um café e ter uma ideia genial observando as pessoas correndo na chuva. Você pode vislumbrar uma nova roupa que repele água, ou ainda em um sapato impermeável, ou quem sabe, simplesmente imaginar um sistema que repele a água eliminando a necessidade de guarda-chuva por meio de eletrostática. Quem sabe?
A palavra serendipidade vem do persa e tem a ver com um conto chamado "Os três príncipes de Serendip". É uma palavra criada nessa lenda dos três príncipes, que tinham a habilidade de encontrar valor em situações e pessoas inesperadas. Ao contar tudo o que havia ocorrido para a sua corte e tudo o que viram no mundo, resolveram celebrar e criar uma palavra para definir o que haviam visto. E chamaram essa palavra de "serendipidade".
Uma das histórias dá conta de um comerciante que estava chorando em frente a uma casa que era, aos poucos, consumida por um rio. Ele se dizia amaldiçoado pelos deuses, mas os príncipes, no entanto, viram de forma diferente e acreditaram que aquilo era uma bênção e que ele deveria encarar dessa maneira. Meses mais tardes, os príncipes retornaram ao local para descobrir que o comerciante havia feito a sua casa no alto de um morro, com vista para o rio que ele tanto amava. Descobriram também que, logo após o seu encontro do príncipe, o comerciante teve um insight em que foi como se o rio tivesse falado para ele construir a casa no alto do morro. Ao começar a construção, diversos operários encontraram pedras preciosas no solo, o que tornou o comerciante ainda mais afortunado. Tudo isso foi um grande exemplo de serendipidade.
Tal atributo não pode ser conquistado sem a devida sabedoria e serenidade de alma. É necessário valorizar o inesperado e aceitá-lo como valioso. Nos dias de hoje isso é quase impossível. A depressão moderna, fruto da angústia e do desejo, nada mais é do que consequência natural de mentes que não sabem aceitar o porvir como intrinsecamente necessário. Trata-se da esperança pelo desespero, enquanto o contrário, o desespero pela esperança, é o grande ensinamento dos sábios. É necessário eliminar expectativas e ser capaz de sentir, apreciar e apreender pedaços da Verdade que nos são passados em momentos únicos.
Da mesma forma que é necessário ouvir para poder apreciar a música, também é necessário viver para vivenciar. O tanto que conseguimos traduzir em valor tangível é mínimo se soubermos dar valor à nossa existência, ao nosso reator nuclear e bioquímico que abrigamos dentro de nós, capaz de transformar-nos em seres capazes de construir foguetes ou resolver complicadas equações. Ou ainda, criar simples equações que resolvem complicados problemas. Seja onde estiver, a serendipidade ainda é a forma com que iremos evoluir as nossas consciências e é o que vai nos levar ao próximo nível de convivência harmônica entre seres e com a natureza. Eis o próximo grande desafio da humanidade inconsequente, que caminha à guerra em vez de caminhar a soluções mais práticas que podem garantir o nosso futuro. Infelizmente, até mesmo do inesperado da guerra pode surgir uma consciência mais sábia. Quem dirá? O que vai acontecer é apenas decisão de nós mesmos hoje, mas decisões mais sábias levariam a acontecimentos mais sábios. Da minha parte, buscarei a serendipidade. Espero que você faça o mesmo.
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